quinta-feira, 25 de outubro de 2007

as tascas do meu país

Amigos,

As tascas de Portugal são um património inestimável.
Uma enorme referencia de transmissão cultural.
Deviam estar isentas de impostos. Totalmente isentas, ou parcialmente isentas; de acordo galopante com a qualidade, a confecção, a simpatia, o deslumbre de sabores guardados.
Nelas se evocam segredos de um passado comum galaico português, os sabores da pobreza, os petiscos de avós e bisavós, as ervas de leito de ribeira e de sequeiro esquecidas por distraídos e presumidos chefs pseudo-omniscientes, as soluções simples que encheram e deliciaram gerações passadas, enfim, séculos de sapidez e indulgência.
Bem aventuradas as tascas do meu país!
Durante uma vida achei por bem resistir a divulgar estes monumentos de degustação. Para não os ver invadidos por selváticos usufruidores banais, e para que nunca tivessem o sucesso que os poderá estragar, aviltar, vulgarizar e enlouquecer aos olhos da clientela íntima e conhecedora. Crueldade pura.
Hoje aqui, neste espaço de elegância e intimidade reservado a maiores de gosto e luxúria, vos prometo abordar - devagar, para que se cumpra um ritual de passagem solene mas discreto e progressivo...- a gastronomia de algumas merecedoras tascas ocultas e secretas de Portugal.

Sempre me ensinaram, de pequeno, que a suprema aristocracia dos gostos não invalida nem exclui, a priori, nenhum sitio, nenhum sabor, nenhum aroma, nenhum local, nenhum produto, nenhuma opinião, até prova factual em seu desabono.;

Com efeito, desde que cumpridas as normas de higiene - não, desde logo, as que a ASAE estupidamente impõe , mas as que o senso comum e equilíbrio mental exigem...- uma boa confecção é sempre uma boa confecção; e um prato desastroso e mal equilibrado será sempre um desgosto ao consumidor, por muito disfarçado que esteja de criatividade estética e presunção artística, mesmo que nos seja apresentado no mais majestoso e dispendioso restaurante.

Há, com efeito, uma perversa relação habitual de causa e efeito que urge combater no que concerne ao acto de frequentar espaços de grande marcação e visibilidade. Nunca se comeu bem numa sala, só pela majestade dos seus lustres, ou o velho e respeitável dourado de sua talha.
O mesmo é válido, infelizmente, para um tipo de snack que poderia e deveria ter mantido o registo de tasca, sem aspirar a modernices nem a servir cem almoços, só para melhor facturar combatendo a crise. A crise combate-se com a qualidade e o assomo de coragem de continuar a defender a gastronomia de origem demarcada.

Neste espaço tanto se relatarão visitas e críticas a Restaurantes de referência nacional, como das ocultas e sempre esquecidas tascas onde - num outro enquadramento e clave alimentar...- se consomem bens e sabores que sejam igualmente de referenciar.

Não ressalte, contudo, deste post a falsa impressão de um desconfiado trato preconceituoso e imbecil contra a restauração de alta cozinha, que é obviamente, uma das artes maiores da existência, comparável ao saber de um Velásquez, um Malhoa, um Mozart ou um Verdi.

Mas quis salientar e relevar a intenção de aqui desejar efectuar uma abordagem ecléctica da apreciação alimentar, pois me parece que esse é sempre um lado omisso na crítica gastronómica que se faz neste país. E os espaços merecem todos a mesma atenção, ou quase.

Uns a um nível absoluto de arte e prazer conceptual; e outros ao nível da sua utilidade social e histórica na conservação de valores tradicionais.

Frequentem este blog e embarquem comigo, se possível, - ao mesmo tempo que, comentando e informando, me auxiliem... - neste tão ingrato trabalho de avaliar e descobrir o incomensurável e sempre surpreendente gosto de viver.

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