sábado, 24 de maio de 2008



Adega Nova
R. Francisco Barreto, 24
Faro


A entrada quase evoca - em ambiente popular, claro - as cores e formas do Majestic do Porto, talvez até a monumental Livraria Lello, com o seu colorido de rés de chão e a escadaria central para um primeiro andar com grades em ferro forjado.
As prateleiras e paredes estão cobertas de objectos de colecção, num ambiente povoado de bom gosto, com decoração calorosa e uma alegria imensa de tertúlia algarvia, quase bodegon, quase cervejaria de tipo bierhaus, em elaborado e bem adaptado ao nosso gosto.
Mesas com bancos, ambiente de adega, sim, mas em sofisticado e superior. Junto da Estação ferroviária de Faro não perca, de facto, esta Adega Nova. Um velho e renovado espaço, onde vai comer e encantar-se com o ambiente.
Esqueça o Algarve turístico, onde lhe atiram com o prato e o servem enjoadamente, se virem que é português. Esqueça o roteiro inglês de omoletes e fried chicken, hamburguers e saladas. Esqueça os famélicos restaurantes com vista para o mar e um prato vazio, onde a única coisa com surpreendente grandeza é, no fim de tudo, a conta.
Aqui temos comida de tacho e grelha a portuguesa, cozinhados de peixe bem algarvios –aqueles carapaus limados são uma arte milenar excelentemente reproduzida na confecção da casa. Também o choco fatiado, as espetadas, o arroz de cabidela pareceram-me bem nos pratos de comensais que os encomendaram a meu lado.
Pessoalmente, provei os joaquinzinhos, que estavam no ponto; os carapaus limados, divinais, que já referi; e as favas, com excelente fritura das carnes e enchidos de óptimo sabor, especialmente uma negra de chorar por mais. Curiosa a confecção fritante em vez do habitual embrulhar recozido no molho das favas. Resulta.
A garrafeira é infinita e perlada de tudo o que imaginar. Provei um Herdade das Servas demasiado adstringente para o meu gosto, de maior preferencia por uma certa brandura calma de fim de boca, e troquei por um Herdade de Coteis, marca que desconhecia, mas que cumpriu perfeitamente.
Em boa verdade, sei que se usa, de momento, um certo teor elevado nos taninos, e uma elevada acidez no terminar de boca; mas nunca hei-de conseguir adaptar o gosto que tenho por vinhos tintos encorpados, gordos e de profundo sabor a uva, a frutos maduros, envolventes e doces. As minhas desculpas aos novos enólogos… sabem-me a qualquer coisa entre a casca de diospiro, o marmelo verde e o sabor da própria cortiça. Lamento, nada a fazer.
À sobremesa provei a charlote de chocolate mas, preferindo os doces da região, com destaques para o figo e o morgado da Serra do Caldeirão, optei por este, que estava perfeito, ao nível do melhor pão de rala que possa imaginar-se. Um morgado a sério, letal como bomba calórica, mas saboroso até cair de prazer.
No coração de Faro – cidade que herda seu nome do velho rei árabe Faruk…- o encanto de um viver português, ainda é possível. Ainda é possivel ir comendo com gosto e alegria os nossos velhos sabores a um preço verdadeiramente popular.
Como se consegue? Com uma gestão que se adivinha atenta, inteligente e assomada ao futuro, entendendo o mercado e nunca enganando o cliente, muito próxima da optimização.
O gosto com que se decorou a casa, a alegria de movida, bem ao nível da vizinha Andaluzia, a apresentação e confecção, a luminosidade humana do espaço merecem nota alta. A simpatia do pessoal e os preços também.
Lisboeta, tripeiro ou seja de onde for, uma vez que o Verão vem aí e eventualmente, andará tentado a dar uma espreitada ao Sul, tente esta Adega Nova, bem no coração de Faro, sinta uma agradável surpresa, e voltará sempre.

Resumo

Sala/Mobiliário ****; Porções***; Tempo de espera****; Confecção ****; Serviço ***; WC ****; Estacionamento **; Paisagem/Ambiente ****; Grau de satisfação geral ****
Preço $$

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Restaurante Lawrence’s


Zona Velha
Sintra


Datado de 1764, o Lawrence Hotel é considerado um dos mais antigos hóteis no Mundo. Situado no coração do centro histórico de Sintra, reclama ter obtido a preferência de Lord Byron em 1809. Os clientes poderão pernoitar nesse mesmo quarto onde foi redigido o poema "A peregrinação de Childe Harold". Actualmente, o Hotel promove-se como sendo um "restaurante com quartos", devido à alta qualidade do seu Restaurante à la carte.
Hotel e Restaurante ambos de charme. Entramos e parece que o romance começou.
Aliás, já cá fora a integração do Lawrence’s no enquadramento da velha Sintra é um halo de convite e de mistério. Ocorre-nos, de repente, que o Eça esteja por ali a jantar apesar da sua magrérrima figura e talvez o Ramalho tenha marcado encontro. O Lord Byron virá mais tarde tomar um chocolate e um chá à nossa mesa e o mundo será mais perfeito e justificado.
A história confirmou-se, pois, por curiosidade, o imortal inglês amante de Sintra - ou da velha Cintra, mais precisamente - olhava-me atento, quando me sentei no meu lugar, em gravura de época. Eu bem dizia. Eu previra. O homem continua por ali.
O Lawrence’s é um desses sítios que não precisa de publicitar-se, pois a sua qualidade vem de longe e funde-se na História.
A amesendação é impecável, com toalhas amplas pendentes, numa sala bonita, copos de cristal gravado, louça Vista Alegre também gravada, talheres Arquinox,guardanapos amplos de pano, num ambiente muito british e bastante exclusivo. Os pratos chegam cobertos à mesa e talvez os talheres merecessem ser de prata ou casquinha, mas suponho que também já seja proibido…
Reparei que éramos a única mesa de autóctones lusitanos. Um pormenor esclarecedor.
Como entradas, vieram ovos embrulhados em farinheira, salada de polvo, pasteis de bacalhau e e folhados de bacon. Os pães vêm a escolher de vários formatos e confecções, acompanhados de alperces secos. A folha de escolha, além das entradas típicas (foie gras variados,etc) e pastas de gosto internacional, é um Menu com pouco mais que uma dúzia de pratos. Pessoalmente gosto de Cartas mais pesadas, com mais dignidade, mas sem dúvida que o articulado era explicativo e a folha não deixava de ser elegante.
Foram escolhidos um Magret de pato com molho de framboesas e aromas do campo e um Salmão braseado com risoto de mexilhão e açafrão. A acompanhar uma garrafa de Tapada de Coelheiros Chardonnay.
Os pratos estiveram certos em medida, sabor e apresentação. O rosty de aromas ocultando de forma erudita a batata e o risoto simplesmente divinal. O serviço decorreu com simpatia, sem extremos de sofisticação, mas correcto e eficaz. Além do que pedimos, poderíamos ter avançado para uns Lombos de javali com pêra glaceada sobre raízes de legumes apurados em molhos de Colares e Cepes, um Rolinho de linguado e vieiras ao vapor com arroz basmaty e molho de camarão, ou um Mil folhas de pargo e presunto no forno, por exemplo.
As sobremesas ao gosto inglês, com cheese cakes, profiteroles, tarte de maça merengada com coulis de caramelo, entre outros.
Nota alta para o ambiente e a confecção.
Óptima carta de vinhos, mas já agora… Por muito que respeite a produção da Casa Agrícola e lhe conheça o “bouquet”, este Tapada de Coelheiros é um vulgar e leve Chardonnay, com um discreto e elegante frutado, mas que me parece ainda poder evoluir muito e, de momento, não justifica o preço sinceramente abstruso a que se encontra. O Restaurante não tem culpa disso, claro. Mas, com efeito, os vinhos portugueses andam de cabeça perdida, inflacionados sem justificação, e talvez assim matem a galinha dos ovos de ouro que poderiam constituir, pela sua extrema qualidade.
Uma noite magnifica de gosto, sabor e nobreza numa das mais lindas terras de Portugal. Um charme absoluto, embora os ruidosos comensais ingleses de hoje se riam alto e já não tenham a elegância, o requinte e a nobreza do Lord Byron que tanto andou por aqui.
Uma referência de sempre, a defender-se muito bem na crise de gosto dos tempos que correm, este Lawrence’s. Um traço de classe britânica no coração de Sintra.

Resumo

Sala/Mobiliário ****; Porções***; Tempo de espera***; Confecção *****; Serviço ****; WC ****; Estacionamento ***; Paisagem/Ambiente ****; Grau de satisfação geral *****
Preço $$$$$