domingo, 20 de abril de 2008

O Velho Mirante

Rua Sº Elói, nº 2
Pontinha

O velho Mirante foi, em tempos, a porta de entrada do que hoje é a imensa Pontinha. Se há edifício histórico em tal suburbana praça, é seguramente este. De pé direito imenso e pórtico de ferro majestoso e castelão, é um espaço com pátio traseiro, arcadas altas e cantarias de origem, travejamento em madeira e um perfume de séculos passados. Argolas para prender o cavalo à porta, com armários de madeira embutidos, logo ao lado, o que sugere que, noutros tempos, talvez, tivessem servido para guardar os arreios. O espaço tem carisma e é pena que os novos móveis de frio tão estandardizados impliquem desgostosamente com um conjunto que, de outro modo, seria de uma rusticidade exemplar.
Primeira impressão positiva mas, depois, esta minha velha mania de ver os detalhes todos, começa a estragar a opinião. Com efeito, além dos frigoríficos/arcas que são sempre feios e atravancam o espaço, também os imensos aparelhos de ar condicionado se desajustam do décor. Mas há mais. As paredes ostentam objectos de bom gosto e antiguidade a par com cachos de uvas de plástico pendurados nas traves (!).
As mesas são, em parte, de bonitos e rústicos tampos de barris - o que as torna indicadas para 2 pessoas, mas exíguas para 4, impedindo a colocação das travessas. Mas, acima de tudo, aquelas inestéticas, pirosas e muitíssimo incómodas cadeiras, de discutível estética pós moderna, completamente desintegradas do ambiente e com um espaço mínimo para a função de receber assento, merecem uma nota desvalorizante em relação a uma sala que, afinal, poderia ser lindíssima.
Toalhas individuais e guardanapos de papel. Pão na cesta forrada a pano. Talheres regulares.
Há entradas para todos os gostos, desde ovos com farinheira, a alheiras, queijo, presunto, patês, salpicão de porco preto, morcela, chouriço assado, linguiça etc. Contudo, aos fins-de-semana, como foi o caso da nossa visita, nem tempo havia para instalar as pessoas que faziam imensa bicha na porta à espera de lugar. Os empregados pareciam, com efeito, insuficientes para o número de famintos comensais que ali afluem, e o serviço de cozinha é entre o muitíssimo lento e o exasperante.
À minha frente, para meu próprio enervamento, uma mesa de 4 pessoas esperou uma hora pelas suas doses! É sempre inexplicável. Se não há estruturas de bastidor para encher a sala deste modo, não se deve exagerar, pois o serviço ressente-se e o cliente não veio ali para sofrer, mas sim para se divertir, comer bem e passar um tempo com a família ou os amigos. Assim, a revolta na sala era patente e o desespero apoderou-se muito justamente de um cavalheiro que começou a fazer comentários mais alto, num ambiente de crispação desnecessário e sempre desagradável.
Toda a comida que vi passar tinha um aspecto de muito boa confecção. No nosso caso foi pedido um prato do dia - rancho, e bacalhau à minhota. Ambos vieram excelentes. Quando digo excelentes, digo excelentíssimos. Tão extraordinários de quantidade, como em qualidade; uma raridade. Perfume, sabor, textura, molho, confecção de nota superior. Um pequeno senão no acompanhamento de batatas do bacalhau que se resumiu a algumas perdidas por cima da posta gigante. Pedido um reforço, chegou na hora da sobremesa… Sem comentários.
Os clientes acantonam-se, sem qualidade de espaço, dando a sensação que a casa quer encaixar mais gente do que deveria e as decantadas normas de segurança aconselhariam. Com efeito, em caso de emergência, o evacuar da sala parece-me entre o problemático e o eventualmente trágico…
Casas de banho razoáveis, limpas, claras e com cabide. Mas, pelo menos no lado masculino, talvez momentaneamente, sem cesto para papeis e com a clarabóia suja. Estacionamento difícil. Recomenda-se reserva antecipada e uma dose muito elevada de paciência aos fins-de-semana, ou não vá.
Em condições normais, o Velho Mirante é um sítio onde se come excelentemente, por um preço módico. Podia ser um portentoso Restaurante de comida portuguesa.
Mas, tal como o vivi, com um ambiente cheio de famílias, com ruído, crianças chorando, clientes coléricos e em desespero e serviço obviamente comprometido por uma cozinha que pura e simplesmente não despachava... assim não! Não sei as razões da gerência que presidem aos critérios; podem até, estar cheios de razão nas suas opções; mas, na óptica do cliente, senti esse almoço de domingo como um encavalitamento de gente, desagradável e confuso.
Fugi, de resto, até, sem sobremesa. Café, conta, e ala! Uff!
Valor alto para a qualidade, quantidade e confecção. Mas atenção; isso não é tudo em restauração! Há muito que corrigir na sala, no tempo de serviço, no atendimento, no apoio de cozinha, na simpatia, na atenção, nos pormenores, na distribuição do espaço, no mobiliário e no tratamento condigno do cliente.
O velho Mirante e a sua excelente confecção mereciam essa atenção.

RESUMO
Sala/Mobiliário ***; Porções*****; Tempo de espera*; Confecção ****; Serviço **; WC ***; Estacionamento **; Paisagem/Ambiente **; Grau de satisfação geral ***
Preço $$

quinta-feira, 17 de abril de 2008

A Marítima de Xabregas

Rua da Manutenção 40 - Lisboa
1900-320 LISBOA

Por vezes esquecemos que Lisboa é uma cidade portuária e que a tradição marítima tem a sua componente peculiar. Algumas casas ainda evocam essa actividade portuária em zonas costeiras de Belém a Cabo Ruivo, e algumas envergam como emblema no seu nome essa designação orgulhosamente. Há esta de que vos falo aqui hoje, e pelo menos uma outra, que eu saiba, na Trafaria.
A Marítima de Xabregas é uma dessas casas ainda de parreirinha à porta e grelhados a carvão. Que nostalgia tenho de uma Lisboa onde encontrava, em tempos, tasquinhas com grelha fumando à entrada, que nos davam à hora do almoço a majestosa pré-gustação dos seus pitéus, com um cheiro a entremeadas, couratos, febras, sardinhas e carapaus fundindo-se no ar.
Sim, eu sei que o vizinho de cima também é gente, e tem de estender a roupa no estendal e viver a sua vida. Mas continuo a achar, que numa cidade ideal onde ninguém abusasse de ninguém, sempre que possível, esse espírito e apelativo visual deveria ser permitido. É hipócrita que se não permita lançar o fumo ali ao nível do 1º andar e se permita a mesmíssima poluição um ou dois andares acima. Sempre achei também que é uma imagem bonita e tipicamente nossa, de abanador na mão. Os turistas deleitam-se com esse aspecto, aliás salutar, da nossa culinária; e já agora, a imagem de uma cidade como Setúbal, por exemplo, nunca será a mesma se amanhã proibirem os restaurantes de grelha ao ar livre.
Preocupante, a meu ver. Mas adiante.
Tudo isto vem a propósito da casa de cerca de 140 lugares sita em Xabregas e onde se comem os mais famosos filetes de peixe-galo (17€!) bem como toda a espécie de grelhados no carvão. O ambiente é informal e barulhento, mas a confecção é boa e vem com apresentação muito acima das expectativas para uma casa do género.
Da ementa fazem parte ainda regularmente frango de cabidela, irozes de todas as formas e feitios, grelhadas ou em ensopado, bem como todo o tipo de peixe em geral. Nas carnes, o cozido à portuguesa à 5ª-feira parece ter procura e tanto quanto vi no vizinho do lado tinha óptima catadura. Carne maronesa; mais um estabelecimento felizmente preocupado com esse detalhe de determinação de origem controlada e à vista do cliente.
Entradas postas na mesa constituídas por queijo de ovelha e presunto pata negra muito fino e de boa origem e sabor, ambos cortados na hora. Foram pedidos uma corvina grelhada e chocos à algarvia. Ambos excelentes e no ponto. Atenção que os chocos, por vezes a pretexto de uma tipicidade duvidosa, trazem o talo e a boca calosa e são gravemente infanticidas. Aqui não. A apresentação feita em travessas-marcador com cenoura cortada,beringela e brócolos no ponto, esteve visualmente correcta e com nota alta.
Petiscos fora de horas, como caracóis e ainda conquilhas, berbigão e amêijoa a fazer lembrar a presença, ali mesmo ao lado, do Mar da Palha.
Três salas com amesendação de toalhas e guardanapos de pano e apenas cobertura de protecção em papel. Serviço sem mordomias nem atenções especiais. Ambiente descontraído e televisão acesa… Mas se gosta de comer bem e andar pela zona oriental da cidade, pode ir.
Marítimo ou não.

RESUMO
Sala/Mobiliário **; Porções***; Tempo de espera***; Confecção ****; Serviço ***; WC **; Estacionamento ***; Paisagem/Ambiente **; Grau de satisfação geral ***
Preço $$$

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Restaurante Doca Peixe

Docas/Alcântara
Lisboa

O espaço de repastos à beira rio nas docas é, de certo modo, uma sala de visitas de Lisboa que hoje nos orgulha e que muito custou a conquistar. Há vinte anos era um espaço imundo e descuidado e esta geração não sabe quanto privilégio e charme disfruta só por uma coisa tão simples que Lisboa descurou tempo demais e entretanto, felizmente, aprendeu a tratar devidamente. A sua beleza de cidade de beira-mar.
Entre as muitas opções de restauração ali apresentadas, visitámos recentemente uma das melhores referências entre as escolhas possíveis. Quase ao fundo da fila o Restaurante Doca Peixe.
Esplanada serena numa noite de quase Verão, com amesendação cuidada e em pano, cadeiras de esplanada em verga. No primeiro andar cadeiras Thonet. Os marcadores vermelhos (!), a frequência de classe média-alta, avultando alguns turistas de bom ar. Pessoal de avental negro, simpático e quase sempre atento. Vista muito agradável para a marina.
Um primeiro contra verificado foi o barulho da Ponte, que a enigmática composição modernista de uma estrutura gafanhótica entretanto construida supostamente deveria combater. Dinheiro ao rio, é caso para se dizer. O comboio ao passar deixa-nos sem palavras. Mas adiante, que a noite maravilha apenas começava.
As entradas, com base em preparos variados sobre um mesmo tema de gambas e várias pastas amariscadas, estiveram soberbas. Destaque para as gambas com molho reduzido de Porto e couve roxa glaceada, um queijo de Azeitão de bom fabrico, uns ovos de recheio divinal, uns pimentinhos grelhados no sal com um preparo de marisco em cama de endívias acompanhados de casca de batata nova frita, mas sobretudo uma papaia recheada que me encheu as medidas na elegância da apresentação e no sabor.
Estando em grupo de quatro comensais encomendámos e foram testados: uma sopa do Presidente – consomé cremoso de mariscos, com curiosa apresentação de massa tenra opada fechando a boca da malga; o arroz de tomate – excelente - com linguadinhos fritos – fresquíssimos, acompanhados de tomatinhos “cherry”; um arroz de lagosta de boa confecção – ao qual eu retiraria as cascas da lagosta, mas muito equilibrado; um bife de atum com fatia de presunto – no ponto certo, nem mais nem menos um minuto que o devido (talvez merecendo mais cebola, a meu ver); e um cantaril escalado e grelhado, de muito boa consistência e catadura, com feijao verde e azeite de ervas preparado em molheira a parte.
Em tudo se adivinha uma confecção feita com gosto e criatividade. Acompanharam-nos um tinto alentejano José de Sousa, muito macio e elegante, e um branco duriense Murganheira levíssimo, que estiveram bem.
A carta de tintos, não sendo muito extensa abrange 15 alentejanos, 6 Douros, 1 Dão, 2Almeirins e 2 Estremaduras, fechando com 3 vinhos da zona de Setúbal. Nos brancos há 3 Verdes, 7 maduros do Alentejo, 3 do Dão, 5 de Setúbal e ainda rosés, sangrias e champanhe, para quem preferir. Lista escassa, mas com boas escolhas no essencial.
Enumero algumas sobremesas, apenas para que sofram um pouco mais. Mousse de frutos silvestres; encharcadas e trouxas caseiras; mousse de after-eight – o célebre chocolate com recheio inglês; tarte de limão merengada e um extraordinário crumbled de maçã, o melhor que comi até hoje na minha vida. Não precisava do gelado para nada, a não ser para compor o prato. Vinte valores!
Contras? Quase nada. O preço, claro. Também não gosto nem da cor nem do material dos marcadores e os Menus de cartolina merecem reforma, por favor. A qualidade da cozinha agradece. Além disso, o espaço merecia mais silêncio que o que a vizinha Ponte lhe proporciona, mas isso,claro...; e há algumas dificuldades de estacionamento próximo.
Relevo um óptimo ambiente, um local bonito, uma restauração séria, com uma confecção superior e uma Chefe competente e criativa, à altura de qualquer desafio.
Caro, mas muito bom. Assim, sim.


Sala/Mobiliário ****; Porções*****; Tempo de espera***; Confecção *****; Serviço ***; WC ****; Estacionamento **; Paisagem/Ambiente *****; Grau de satisfação geral *****
Preço $$$$$