domingo, 22 de fevereiro de 2015

Comida típica alentejana - CUIDADO!

Cuidado com as imitações e cuidado com o sucesso e a fama.
Acabo de viver um Fim de semana no Alentejo com algumas desilusões.
Após a criação - e o proveito diga-se...- de uma aura de óptima comida e bebida.
Após integrar uma rota de sabores à escala nacional.
Após se terem constituído como espaço de referencia e reverencia na grande gastronomia.
Após tudo isso o Alentejo não pode dormir.
Infelizmente neste fim de semana, isso aconteceu-me reiteradamente
Eis aqui portanto, ironicamente, de minha espontânea lavra, a habitual receita modelo para montar um restaurante alentejano de sucesso:

1- Arranjar um nome muito rústico. Tipo a "Tiborna da Maria". O "páteo da avó". "O arado do Xico". "A Alpendrada da loiça". "A fábrica do arroz, do pão, ou da farinha"; "a moagem do padre Inácio". "A taberna do coice". " O castanheiro velho" - Nome Típico. Coisa assim.
2 - Por uma roda de carroça mesmo partida, na porta; e um arado. Nas paredes, fotografias ou desenhos do lugar quando era a dita taberna, fabrica ou pátio. Compor com ferragens campestres.
3 - Arranjar uns pratos com nomes caseiros e que são exibidamente servidos no pão, na telha, no alguidar de barro, etc. Espectáculo!
4 -Pendurar uma samarra velha no cabide da porta mesmo que seja Agosto. Toalhas aos quadradinhos. 
5 - Fazer puxadores das portas em ferraduras velhas. Lavatório de barro ou pedra.
6 - Colocar 30 aperitivos na mesa a saltar a vista. O pessoal está faminto - vai usar e abusar. Grão com farripas de bacalhau. Pimentos, cogumelos, queijos, paios, azeitonas com alho, tâmaras com bacon...Não interessa. Muitos. Tudo caríssimo.
7 - Conseguir por os vinhos alentejanos - ali mesmo de herdades vizinhas, - mais caros que vinhos franceses de fama mundial. Estranho mas real. Nunca trocar uma garrafa mesmo que cheire manifestamente a rolha.
8 - Demorar uma hora - nunca menos!- a servir o prato principal. Os clientes vão "entrando" nas entradas, vão conversando e - como são pessoas bem educadas e não querem estragar o dia - vão aguentando e bebendo e disfarçando 
9 - Admitir um chef jovem, ambicioso, convencido e adepto da "nouvelle cuisine" Ou em alternativa arranjar uma ucraniana que"ajuda" na cozinha, pois infelizmente"a ti Ermelinda está doente". É sempre uma boa desculpa se o cabrito for borrego, as batatas encruarem, ou a miga de espargos souber a cerelac de grelos.
10- Comprar pelo preço que for preciso, 3 ou 4 "críticos" de gastronomia de imprensa moderna, "independente" e de sucesso mediático. Se não conseguir, um qualquer estagiário também serve, desde que ponha o nome nas recomendações e "sugestões" de fins de semana .
11- Criar fama e deixar de ir aos mesmos fornecedores. Roubar nas doses. Inventar receitas para gastar menos matéria prima. Perder a frescura. Contar historias. Culpar os fornecedores.
12 Roubar estupidamente no preço como nos restaurantes famosos - de Évora, Castelo de Vide, Alandroal, etc Achar que o prestigio é proporcional ao preço que vem na factura
13 - Deixar as batatas de forno e substituir por acompanhamento de batatas fritas e arroz. Dizer q o javali foi morto esta noite, mesmo q seja chapadamente porco velho com 3 dias em vinho tinto.
14- Colocar uma placa na porta de prémio de "excelência" e uma entidade qualquer desconhecida
 tipo "Traveler's book" "Restaurants of the world" "Cook Excellence & Merit" Coisa fina; mas que ninguém conheça, claro. Vendem-se barato.
15 - No fim oferecer sempre um cálice de licor de poejo, bagaço do patrão, broa da avó Miquelina ou coisa assim; sempre com os cumprimentos da casa. Não aceitar cheques e "o visa está avariado ou muito lento. Por acaso não tem dinheiro?"
.............
Cuidado, portanto! O sucesso implica muitas vezes, com o tempo, sobranceria, mentira, incapacidades logísticas e desqualificação culinária. 
Isso aconteceu-me neste fds em Arraiolos e nos arrabaldes de Borba. Mas é vulgar. E já me aconteceu o mesmo em Évora, Castelo de Vide, Alandroal, e em Mora.
Espaços qualificadissimos. Galardoadissimos! Alguns que antes eu elogiara.
Pois; mas hoje são: - Maus. Barretes!
Continuo a recomendar o restaurantes simples e quase ocultos. Aqueles onde vai o Zeferino carteiro. O homem ficou viúvo e perdeu o conforto da cozinha caseira da sua Efigénia, coitadinha que Deus tenha; umas mãos de fada; mas já encontrou na tasca da Maria Pipa uma substituta de qualidade, com diária a muito bom preço, cuja nunca falha.
Ou descobrir as tascas onde parar o Nunes; camionista de Valpaços que, por mor da sua viajada profissão, conhece o Alentejo como as próprias mãos e já não se deixa enganar. desvia-se os quilometros que for preciso mas vai onde sabe que é bom. E barato.
Seguir o Zeferino e o Nunes, portanto. Eis o segredo
E NUNCA seguir as indicações de fazedores de opinião; pelo menos, outros que não seja eu ou alguém de muito confirmadamente sério!
Regra de ouro -
Está na moda? É famoso?Estou farta de ouvir falar? - Hummmm!-  Evite!
SIM. Evita despesas parvas, chatices e dissabores.
Conselho de amigo.

Um comentário:

DavidMFerreira disse...

Mas então quais são esses restaurantes? Não pode partilhar?
Pela sua descrição, referência à roda de carroça partida, e por ter referido Arraiolos, lembrei-me logo do Alpendre. Já não vou lá há um par de anos, mas comia-se muito bem, e a metade do preço do Fialho!

Cumps,

DF